Se já tentou descrever cores com palavras é provável que se tenha esforçado para encontrar os termos exatos para transmitir o que os olhos percebem a não ser que recorra a metáforas. No dicionário, o vermelho é descrito como semelhante à cor do sangue, o azul o de um céu claro, e o verde como folhas em crescimento.
Mas e se pudesse usar outros sentidos para traçar paralelos entre as cores e os sons? Foi este o esforço criativo que Vassily Kandinsky procurou em algumas das suas obras. Graças ao seu dom de sinestesia, uma capacidade de percepção multissensorial, ele foi capaz de explorar a relação entre sons, cores e formas e traduzir música para os quadros.
O Centre Pompidou e o Google Arts & Culture juntaram-se para homenagear o artista considerado o iniciador do movimento de arte abstrata. “Soa a Kandinsky” reúne as obras de arte mais emblemáticas, revela alguns dos arquivos pessoais raros - alguns nunca antes vistos - e disponibiliza uma experiência de machine learning que permite a qualquer pessoa um contacto diferente, inovador e envolvente com o artista.
Apesar de muitas pessoas serem capazes de reconhecer algumas das obras de arte mais famosas de Kandinsky, o homem por detrás das obras é menos conhecido. Digitalizámos 3.700 obras de arte, fotografias pessoais através de tecnologia do Google Arts & Culture - memórias de infância, fotos de férias com Paul Klee ou o seu estúdio artístico onde pintava em Neuilly -, um contributo da coleção Kandinsky à guarda de Nina Kandinsky, e que permite a todos entrar no universo da vida e da obra do artista.
Mas para realmente compreender o legado de Kandinsky e desvendar um dos mistérios que definem o seu estilo artístico é essencial entender o processo criativo distinto presente nas suas obras: Sinestesia. Esta condição neurológica - que é também partilhada por outros artistas como Rimbaud, Billie Eilish e Pharrell Williams - permitiu-lhe associar cores a determinados sons e estados de espírito. Quando Kandinsky pintava, dois sentidos funcionavam sistematicamente em conjunto: a audição e a visão. Cores e formas traduzidas em sons, harmonias e vibrações compostas por linhas e padrões.
Para mostrar este processo criativo e o “som” de Kandinsky associámo-nos aos artistas musicais experimentais Antoine Bertin e NSDOS para criar o que chamámos de "Play a Kandinsky", uma experiência interativa que, pela primeira vez, permite a todos não apenas ver, mas também sentir o que Kandinsky poderia ter ouvido quando ele estava a pintar. Em conjunto, analisámos textos de Kandinsky que destacam a sua experiência sinestésica e aplicámos tecnologia de machine learning para criar uma ferramenta que simula o que Kandinsky poderia ter ouvido quando pintou em 1925 a sua obra-prima "Yellow Red Blue".
Com a possibilidade de ampliar e clicar em várias áreas da pintura, o utilizador é convidado a tocar na pintura, explorando os sons e as emoções associados às cores e às formas. É até possível criar a sua própria mistura e partilhar o resultado da criação, inspirado em Kandinsky.
E graças à Pocket Gallery é possível passear por uma exposição à medida através de realidade aumentada e ver de perto algumas das obras de arte mais conhecidas de Kandinsky. Embora isto nunca vá substituir a experiência única de ver estas obras no museu, ela permite, no entanto, uma verdadeira imersão em cada uma das suas obras, certamente virtual mas igualmente íntima com este artista que podia ouvir as cores.
Publicado por Serge Lasvignes, presidente do Centre Pompidou